Exposição Coletiva/Group Exhibition
Frestas: Trienal de Artes – Entre Pós-Verdades e Acontecimentos, 2017.
Curadoria [Curated by] Daniela Labra. Sesc Sorocaba, São Paulo, Brasil.
https://frestas2017.sescsp.org.br/index.html
“Da ideia a chama já consome/A crosta bruta que a soterra.” Essas duas frases compõem a primeira estrofe do hino “A internacional”. Durante a segunda edição de Frestas, pode-se ouvi-las soar do alto do poste próximo ao Terminal de Ônibus Santo Antônio, em Sorocaba. Essa intervenção revela o ensejo político presente nas ações provocadas por Gustavo Speridião, artista carioca que usa diferentes meios, como desenhos, colagens, pinturas, instalações, esculturas, fotografias e vídeos. Sua prática orienta-se para o questionamento do próprio fazer artístico no circuito profissional, elencando as relações do trabalho de arte como um fato político, que desconfia do lugar privilegiado da obra como objeto muitas vezes dotado de alto valor especulativo.
A pintura de Speridião se constrói com uma paleta de cores inscritas historicamente na herança do construtivismo russo, mas que não deve ser tomada apenas como referência a visualidades passadas. Nota-se que as telas costumam carregar o frescor da tinta, que, mesmo seca, ainda escorre. Esse frescor faz as obras assemelharem-se a muros e paredes recém-pichados nas ruelas ou no alto dos prédios mais imponentes na cidade. Fruto da verve e da revolta juvenil, a desobediência do artista aparece de forma contundente em séries como Cartazes de agitação e Cartazes ginasiais. Os traços revelam insubordinação à história da arte e às escolas como instituições às quais Speridião responde por meio de visualidades fortes e precárias, comuns aos cartazes de protesto.
O Hino da Internacional Comunista foi tocado do dia 12 de agosto até 3 de dezembro de 2017, duas vezes por dia, nos horários de 6 am e 6 pm, no Terminal Rodoviário da cidade de Sorocaba (São Paulo, Brasil).
ficha técnica:
"A Internacional Comunista (para Susan Phillipsz)"
2017
Sistema de som no teto do Terminal Rodoviário de Sorocaba.
Voz: Juliana Strassacapa (@ju.strassacapa)
duração: 8´14´´
Entre Pós-Verdades e Acontecimentos
Frestas Trienal 2017
Daniela Labra
A arte fura.
Esta edição de Frestas associa o nome do evento à noção de interstício: um espaço-entre cheio de sensibilidade e potência criativa transformadora, onde a ambiguidade e a indefinição de conceitos, formas e modelos é explorada de modo poético e crítico. Enquanto o existir nas cidades parece se reduzir a dígitos numéricos em cenários homogêneos de shoppings, conglomerados e condomínios, apostamos aqui na máxima “criar é resistir”, compreendendo a prática da arte e sua fruição como singulares vias propositivas libertadoras do contexto de exaltação da produtividade, competitividade, vigilância e espetacularização da vida.
Considerando que a natureza regrada e acadêmica da arte ruiu há tempos, refletimos sobre a impossibilidade de definir Verdade na obra contemporânea, e também discutimos as narrativas políticas sustentadas por memes e populismos midiáticos amparados em discursos morais e dogmáticos, que ganham força e constituem parte do contexto que a própria arte espelha e reage.
O título da mostra veio antes do termo Pós-Verdade ser indicado como o mais comentado na internet em 2016. O termo não é novo e seu germe já aparece em Verdade e Política (1967), de Hannah Arendt. Recentemente, ele se tornou protagonista no comentário político internacional, impulsionado pelo afã, de grandes publicações jornalísticas em disseminar, pela rede, opiniões como fatos consistentes que rapidamente ganham status de verdades.
Já a ideia de Acontecimento refere-se à natureza de uma Trienal, e a sua definição na antropologia e filosofia: Acontecimentos, sempre temidos e esperados, como um evento climático, militar ou político, que trazem o risco de um corte irreversível com o passado, marcando transformações profundas no curso histórico e social de comunidades.
Participam da mostra artistas de diferentes nacionalidades, gerações e linguagens, cujas obras trazem questões como ambiguidades formais; transdisciplinaridade; temporalidade; performatividade; gênero e sexualidade; crítica social e artisticidade. Mais da metade dos projetos são comissionados e inéditos, e ocuparão o edifício da Unidade além de vias públicas, outras instituições, lojas e ruínas históricas, criando circuitos de experiências estéticas instigantes entre o Sesc e a cidade.
Lista de artistas: André Komatsu (São Paulo, Brasil) Georges Rousse (Paris, França) Pedro França (Rio de Janeiro, Brasil) Angélica Freitas (Pelotas, Brasil) Gervane de Paula (Cuiabá, Brasil) Rafael Alonso (Rio de Janeiro, Brasil) Bruno Baptistelli (São Paulo/Budapeste) Graziela Kusnch (São Paulo, Brasil) Rafael RG (São Paulo, Brasil) Bruno Mendonça (São Paulo, Brasil) Guerrilla Girls (Nova Iorque, EUA) Raul Mourão (Rio de Janeiro, Brasil) Celina Portella (Rio de Janeiro, Brasil) Gustavo Speridião (Rio de Janeiro, Brasil) Reynier Leyva Novo (Havana, Cuba) Cleverson Salvaro (Belo Horizonte, Brasil) Héctor Zamora (Cidade do México, México) Ricardo Cástro (Rio de Janeiro, Brasil) Daniel Caballero (São Paulo, Brasil) Hito Steyerl (Berlim/Alemanha) Rivane Neuenschwander (Belo Horizonte, Brasil) Daniel Escobar (Porto Alegre, Brasil) Irene de Andrés (Ibiza, Espanha) Sandra Monterroso (Cidade de Guatemala, Guatemala) Daniel Lie (São Paulo, Brasil) Letícia Ramos (São Paulo, Brasil) Sergio Zevallos (Lima, Peru) Daniel Senise (Rio de Janeiro, Brasil) Lina Kim (Brasil, Berlim/Alemanha) Simone Cupello (Rio de Janeiro, Brasil) Daria Martin (Londres, Grã- Bretanha) Marcius Galán (São Paulo, Brasil) Susan Hiller (Londres, Grã Bretanha) Deborah Engel (São Paulo, Brasil) Maria Thereza Alves (Brasil, Berlim/Alemanha) Teresa Margolles (Cidade do México, México) Denis Darzacq (Los Angeles, EUA) Marko Lulic (Viena, Áustria) Thiago Honório (São Paulo, Brasil) Diango Hernández (Havana, Cuba) Matheus Rocha-Pitta (Rio de Janeiro, Brasil) Traplev (Rio de Janeiro, Brasil) Dias & Riedweg (Rio de Janeiro, Brasil) Michael Wesely (Berlim, Alemanha) Wanda Pimentel (Rio de Janeiro, Brasil) Edson Barrus (Recife, Brasil) Miro Spinelli (Rio de Janeiro, Brasil) Yara Pina (Goiânia, Brasil) Fabiano Marques (São Paulo, Brasil) NUNCA (São Paulo, Brasil) Yvon Chabrowski (Berlim, Alemanha) Fabio Noronha O Nome do Boi Zé Carlos Garcia (Curitiba, Brasil) (Várias cidades, Brasil) (Rio de Janeiro, Brasil) Francesca Woodman (Denver, EUA) On Kawara (Kariya, Japão) Gala Berger (Buenos Aires, Argentina) Panmela Castro (Rio de Janeiro, Brasil)
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Obra de Frestas traz execução do hino 'A Internacional' no Terminal Santo Antônio
JORNAL CRUZEIRO DO SUL
CULTURA
24/09/17
Felipe Shikama - felipe.shikama@jcruzeiro.com.br
@LEG:A obra de arte "sem matéria", como define a curadora Daniela Labra, é de autoria do artista carioca Gustavo Speridião - SESC/ DIVULGAÇÃO
Entoado por uma voz feminina à capela, a canção que clama pela união da classe trabalhadora a lutar por uma "terra sem amos [patrões]" é executada duas vezes ao dia, às 6h e às 18h, no Terminal Santo Antônio, em Sorocaba.
Despertando diferentes sensações e reações dos usuários do transporte coletivo da cidade, a versão em Português de A Internacional -- hino do socialismo em todo mundo -- que sai de alto-falantes do terminal de ônibus é um das obras em espaços públicos que integram a 2ª edição de Frestas -- Trienal de Artes, do Sesc Sorocaba, que permanece em cartaz até 3 de dezembro.
A obra de arte "sem matéria", como define a curadora Daniela Labra, é de autoria do artista carioca Gustavo Speridião e foi baseada na instalação sonora de Susan Phillipsz feita em 2015 para a mostra Parasophia, do Museu de Arte Moderna de Kioto, no Japão. "Fiquei muito emocionado quando ouvi o hino em inglês tocando alto [do lado de fora do museu] na beira do rio. E aí pensei que tinha que tocar assim desse jeito, o hino da Internacional no Brasil", conta Gustavo ao Mais Cruzeiro, que tentou replicar o trabalho no Parque Lage, no Rio, mas a iniciativa acabou inviabilizada por falta de recursos financeiros.
Mais do que inspiração, o artista classifica seu trabalho como uma "apropriação direta" da obra da artista escocesa, daí o título A Internacional, para Susan Phillipsz.
Speridião comenta que após ter recebido o convite da curadora Daniela Labra para participar da Trienal visitou Sorocaba duas vezes, onde leu e ouviu relatos da histórias sobre o movimento operário da cidade, resultando na escolha do Terminal Santo Antônio, localizado ao lado da antiga fábrica têxtil homônima (hoje um shopping), para receber a instalação sonora.
Nas últimas semanas, alguns usuários do transporte público de Sorocaba entraram em contato com o Cruzeiro do Sul para sugerir reportagem sobre o hino, manifestar estranhamento e também reclamar da execução diária da "ideologia comunista". Para Speridião, reações de curiosidade, estranhamento e também insatisfação com sua obra não só são naturais como eram esperadas. "Esta instalação sonora tem como principal característica a questão do mistério. Não é um trabalho de arte exposto em um espaço de arte. É para causar estranhamento mesmo. Mesmo que tenha dentro do terminal a informação sobre o trabalho e a Trienal, não são claras as relações de que aquilo é arte. Nunca tinha trabalhado somente com áudio. Foi uma ótima experiência", comenta.
O hino de aproximadamente dez minutos é interpretado à capela pela cantora Juliana Strassacapa, integrante da banda Francisco, el Hombre. Na descrição do trabalho, no catálogo de Frestas, a instalação sonora A Internacional, para Susan Phillipsz é descrita como "uma homenagem ao trabalhador" e, ao mesmo tempo "um irônico comentário sobre os fins das utopias e as ainda precárias condições trabalhistas de hoje".
Gustavo Speridião assinala que sua obra é assumidamente política e defende o que ele chama de "socialismo libertário". "O capitalismo não é indestrutível, ele pode destruir a humanidade. Socialismo ou barbárie. É isso que está colocado hoje para a humanidade. E é quem utiliza esse terminal todos os dias para garantir a sobrevivência que vai mudar o mundo. O trabalho de arte foi atrás dos trabalhadores", opina